Denis era uma criança doce, meiga e linda... Eu adorava beijar aquelas bochechas macias e apertar aquelas mãozinhas fofas, cócegas na barriga dele eu não podia fazer, nem apertá-lo muito por causa do cateter...
Aos cinco anos de idade, Denis morava com sua mãe que era separada do seu pai, ela freqüentava uma destas igrejas da "moda" e a impressão que temos é que fizeram uma lavagem cerebral nela num destes cultos... Nesta noite, os dois estavam a sós... Gritos foram ouvidos, uma cena estarrecedora se apresentou... Lá estava o pequeno Denis sobre a cama, todo ensangüentado, teve a barriga aberta com uma faca de cozinha por sua mãe que caminha envolta da casa com a bíblia na mãe repetindo "Foi Deus que quis assim".
O socorro foi chamado, o menino foi salvo, mas infelizmente, seu intestino ficou na pia, confundiram com "salsichões" e lá ficou não podendo ser recolocado... Aí começa a luta do menino guerreiro...
Foram várias cirurgias, incontáveis picadas de agulhas, medicamentos, incertezas, dúvidas, revolta, comoção, noites e dias de martírio para as duas famílias e para os amigos. E o Denis? Bom, nem parecia que era com ele que estava acontecendo tudo aquilo. Embora tivesse consciência de tudo que estava se passando, afinal ele ficou consciente o tempo todo, desde os golpes de faca até chegar ao hospital, o guri não desanimava.
Passado o primeiro grande susto, veio a má notícia... Na época ainda não existia transplante de intestino. Procurei me informar com vários médicos e fiquei sabendo que até aquele momento só haviam tentado o transplante em animais e ainda não tinham obtido sucesso... Ninguém achava que ele iria durar muito mesmo, alguns até diziam que seria melhor ele morrer logo... Que morrer que nada, o guri tinha uma sede de vida e um bom humor que faz qualquer retardado que possui tudo na vida e vive reclamando sem olhar para os lados se sentir um completo idiota, o que de fato muitas pessoas são.
O que parecia impossível estava acontecendo, ele estava se recuperando... E também não poderia ser diferente, ao contrário de muito pequenos que são abandonados no hospital, Denis tinha seu pai que abriu mão de tudo para cuidar dele, também sua vó materna. Eles se revezavam com os cuidados... Mesmo que isto significasse ficar mais de 12 horas sem comer, não ter dinheiro para a passagem já que o hospital ficava em outra cidade, dormir sentado em poltronas, ver os coleguinhas do Denis morrerem um a um... Torcendo para que a situação dele se resolvesse logo, que um milagre acontecesse para que o nosso guerreiro pudesse ficar entre nós....
É muita crueldade, o teatro de horrores não pára por aí. Quando se vive nesta situação se aprende que o mundo e as pessoas podem ser muito cruéis... Assim como o Denis, outras crianças estavam lá porque precisavam de cuidados especiais... Algumas como o pequeno guerreiro tinham suas famílias, outras eram simplesmente abandonadas lá. É sim, abandonadas, a menina que sofreu um acidente e ficou em estado vegetativo que a mãe nunca mais foi ver, as crianças que são abandonadas à própria sorte ao nascerem, quando não são atiradas em latas de lixo...
Talvez por isto ele tivesse tanta sede de viver, pois apesar de tudo, ele tinha o amor incondicional de seu pai e de sua avó. Sem contar todo o amor que recebia dos demais familiares, amigos e equipe do hospital. E ele foi sim, muito amado, muito querido e muito admirado por ser tão pequeno e tão forte.
O pequeno guerreiro lutava diariamente contra a dor, infecções que insistiam em aparecer, vômitos, diarréias, febres e mal-estares quase que diários. Quanto adulto se borra de medo de injeções? Só Deus sabe quantas ele teve que levar, mas mesmo assim sempre tinha um sorriso no rosto. Como diz a avó dele, ele fervia pelos corredores do hospital, tinha um senso de humor inigualável... Era como toda criança deve ser... Sapeca, levado, brincalhão, adorava brincar, passear com o pai dele... Ah o pai dele, este era seu herói... Sabe aquela história, filho de peixe, peixinho é? Então, eles eram assim, Denílson é o maior brincalhão, impossível não dar boas risadas ao lado dele... Não foram sós as características físicas que o Denis herdou dele, o senso de humor também.
Tenho certeza que os dois aprenderam muito um com o outro, o Denis pode saborear o doce sabor do amor incondicional, já o Denílson aprendeu que jamais devemos desistir, por mais difícil, distante e inalcançável que pareça o que queremos... Não apenas ele, todos nós que convivíamos com este pequeno guerreiro. Todos nós que tivemos o privilégio de ter o Denis por perto!
Após 6 anos, a luta continuava, vovó Marlene e papai Denílson sempre lutando com aquela criança tão cheia de vontade de viver... O governo já havia liberado a verba para a alimentação especial que ele precisava, seu quarto estava sendo reformado para poder recebê-lo... Denis já estava indo há uns dois anos para a escola... Enfim, tudo indicava que logo teríamos a companhia daquele pequeno guerreiro por mais tempo, já que ele vinha para casa só nos finais de semana e se estivesse em condições.
Fico toda besta quando lembro que ele perguntava por mim quando estava em casa “A Meri já veio aqui hoje?”... O sentimento era mútuo, eu o adorava... Ficava às vezes olhando para ele e pensando em tudo que ele já tinha passado e mesmo assim tinha aquele sorriso fácil, gratuito... Tinha um jeitinho tão lindinho de caminhar, uma carinha tão sapeca... E aquelas mãozinhas tão lindas... Algumas vezes ele ficava com vergonha de mim, aí era um sacrifício conseguir beijar aquelas bochechas lindas... Caramba, eu nunca vi ele reclamando de nada... “Oi Denis, tudo bem contigo?”... “Tudo bem” era a resposta que eu tinha, seguida por um lindo sorriso envergonhado....
Esta semana porém, outra infecção o atacou, só que desta vez não era como as outras, ele começou a ficar inchado e sentir muita dor... Na manhã de ontem, no auge da dor, ele nos deixou... Mas lutou até o último minuto... Dizia para o pai “Pai me ajuda, eu não quero morrer, eu quero ficar”... Mas infelizmente ele se foi, deixando para trás toda dor e sofrimento, levando consigo a certeza de que foi amado e querido além das forças de um ser humano.
Que droga de mundo é este? Um filme passou pela minha cabeça, lembrei da minha sobrinha que deixaram morrer no hospital da cidade onde moramos. É muito injusto! É cruel demais, é uma dor inenarrável! Me faltam as palavras e me sobram dor e indignação... Ver meu amigo sofrer daquele jeito me perguntando “E agora Meri, o que eu vou fazer?”... Tomar conhecimento da contagem macabra que avó dele fez... “Nestes seis anos, vi mais de 50 crianças morrerem dentro do hospital”... Mas que porra é esta? Por que uma criança tem que morrer de câncer? Por que uma criança é atropelada, fica em estado vegetativo e ainda é abandonada pela mãe? Por que o Denis teve que passar por isto? Pela segunda vez em minha vida, tenho milhões de perguntas e nenhuma resposta!
Bom, não tenho respostas, mas tenho muitas boas recordações e belos exemplos deixados por este pequeno grande guerreiro chamado Denis! Desistir? Nunca, jamais, em tempo algum!
Se existe realmente vida após a morte, ou melhor, se estar “encarnado” é realmente um estágio da vida, tenho certeza absoluta que Deus reservou um lugar muito especial para o nosso pequeno guerreiro Denis! Talvez por isto eu tenha dito ao me despedir... “A gente se encontra depois”! Denis agora está brincado... puxando as barbas de Deus!
Após muito tempo sem saber sobre o que escrever, finalmente eu já sei... Por isto o blog não vai mais se chamar "Ainda não sei" e sim vai ter o meu nome, como na URL!
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7 comentários:
Quem somos nós se tratamos nosso futuro dessa maneira? Que tipo de espécie negligencia ajuda a sua própria, em sã consciência?
Bem... o que dizer??? Não se tem palavras, ainda mais quando se trata de uma criança, mas acho que é possível tirar a seguinte lição, nunca desista.
Espero que a família e pessoas próximas ao menino Denis, encontrem de alguma forma algo que possa consolá-las pelo vazio deixado.
Alex Melo ( Alvorada-RS)
O sofrimento doi, mas aumenta nossa fé em algo muito maior "Deus". E que este nos proteja de todo o mau do mundo e abençoe esta família que sofreu, mas amou muito este anjinho durante sua permanencia aqui conosco. Força... Coragem... e Fé...
Clarice Pôrto (Porto Alegre-RS)
com certeza ele estará ao lado de Papai do Céu, ao lado de sua sobrinha olhando por todas as crianças.
Deus confortará o coração amargurado de parentes e amigos
Maury - Sâo Pàulo
aOi amiga. Eu sinto muito pelo ocorrido. Tenha fé em Deus porque nada é por acaso. Todos nós temos um destino traçado. Se foi assim é porque tinha que ser dessa forma. Te garanto que o pequeno está mais feliz agora, pois a missão dele foi cumprida com êxito. Eu também quero cumprir a minha missão independente da forma que seja. Espero que seja da forma que Deus possa me perdoar pelos meus pecados, pois amo muito ele e quero ficar perto dele assim que ele precisar de mim ao seu lado. Seja positiva sempre e não deixe a peteca cair quando ocorrer esses acontecimentos, só tenha fé. Beijos e fica com Deus
Bah, amiga, emocionante teu relato... Que Deus dê força a todos aqueles que amavam este menininho!!! Beijos!
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E qual sentido de tudo isso?
O pequeno guerreiro me deu forças para colocar a felicidade sempre na frente. Me sinto (inexplicavel).
Obrigada por ter estado com ele.
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